A internet surgiu como sistema de telecomunicação entre pessoas (entre as tropas americanas). Daí, ganhou o mundo e se tornou o principal meio de comunicação global. Graças a isso, sabemos praticamente em tempo real da queda da bolsa na China, da Guerra no Oriente Médio, do Terremoto no Japão etc. O próximo passo – já em andamento – é a consolidação da Internet das Coisas (IoT, em inglês). A Internet – agora – não serve apenas para ligar pessoas, mas também coisas (geladeiras, carros, prédios, televisão, rádio, lojas, restaurantes, roupas etc). Assim, ela deixará de ser um simples meio de comunicação entre pessoas, mas abarcará pessoas e coisas, a fim de integrar serviços, demandas e criar soluções hoje presentes apenas em obras de ficção.
A Internet das Coisas é objeto de intensa pesquisas ao redor do mundo e, antes tarde do que nunca, o Brasil parece finalmente ter acordado para a questão (ao menos em termos de legislação). Foi sancionado o Plano Nacional de Internet das Coisas (Decreto n. 9854/2019), que tem como finalidade implementar e desenvolver a IoT no País.
O Decreto trouxe ainda o conceito, assim definido: “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade”. Dentre as diversas finalidade do Decreto (art. 3º), destacam-se estes três pontos:
III – Incrementar a produtividade e fomentar a competitividade das empresas brasileiras desenvolvedoras de IoT, por meio da promoção de um ecossistema de inovação neste setor;
IV – Buscar parcerias com os setores público e privado para a implementação da IoT;
V – Aumentar a integração do País no cenário internacional, por meio da participação em fóruns de padronização, da cooperação internacional em pesquisa, desenvolvimento e inovação e da internacionalização de soluções de IoT desenvolvidas no país.
Desta forma, a Internet das Coisas passa a ser encarada como uma área essencial e importante para o desenvolvimento nacional do país, o que fica claro pela participação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Telecomunicações na regulamentação das áreas prioritárias para o desenvolvimento da IoT no Brasil (art. 4º) e os projetos mobilizadores elencados no art. 6º, também a cargo do MCTIC, a saber:
I – Plataformas de Inovação em Internet das Coisas
II – Centros de Competência para Tecnologias Habilitadoras em Internet das Coisas;
III – Observatório Nacional para o Acompanhamento da Transformação Digital.
Vale ainda mencionar a criação da Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina e Internet das Coisas – Câmara IoT. Trata-se de órgão de assessoramento destinado a acompanhar a implementação do Plano Nacional de Internet das Coisas, na forma de colegiado não deliberativo (art. 7º, §1º). A Câmara IoT terá participação de representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Telecomunicações, do Ministério da Economia, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento Regional, podendo o MCTIC convidar pessoas da sociedade civil para participar das reuniões.
Com o Plano Nacional o Brasil dá um passo importante para o desenvolvimento econômico em importantes áreas da economia. Ainda falta muito, obviamente, para que as ideias contidas no texto legal possam gerar frutos reais e concretos.
O próximo passo deverá abarcar a Rede 5G, na medida em que sem ela qualquer discussão sobre IoT é inútil. Apenas a Rede 5G permitirá que se possa realmente falar em cidades inteligentes, em GovTech, Carros Autônomos e uma série de outras tecnologias que já estão em andamento. Não é à toa que EUA e China rivalizam sobre a tecnologia das Redes 5G, atualmente nas mãos da Huawei. Os EUA não estão a fim de permitir que a tecnologia chinesa entre no país; o problema é que as empresas americanas ainda não possuem tal tecnologia.
As razões para o veto são bastante óbvias e não se trata apenas de uma guerra comercial: deter a tecnologia para a Rede 5G que propiciará todas as tecnologias acima listadas permitiria que a China, em uma eventual guerra com os EUA, desligassem o país (fazendo cessar o sistema de comunicação); além disso, os EUA perderiam o controle que possuem hoje a respeito das telecomunicações privadas (sobre isso, ver a Lei Patriota), permitindo que a China passasse a monitorar aquilo que acontece no país rival.
Com isto se percebe a importância da IoT e da Rede 5G para o desenvolvimento nacional e também para a própria autonomia tecnológica, além dos óbvios contornos em termos de Segurança Nacional.
O primeiro passo foi dado. Aguardemos que não seja apenas mais uma vitória de Pirro.
por Marcelo Chiavassa, doutorando em Direito Civil; mestre em Direito Civil; especialista em Direito Contratual e em Direito Civil Italiano e Europeu; professor de Direito Digital e à Inovação, Direito Civil, na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas